ROMANOS 9 NA PERSPECTIVA ARMINIANA - PARTE 2
1) INTRODUÇÃO
Na parte 1 desta série sobre o capítulo 9 de Romanos foi exposto como as correntes calvinista e arminiana leem Romanos 9.
Agora, nesta segunda parte, será abordado sobre o contexto geral de Romanos como plano de fundo para entender o capítulo 9 do referido livro. Desta forma, para entender o capítulo 9 da carta de
Paulo aos Romanos é preciso considerar o tema geral da Carta aos Romanos, bem
como o contexto anterior e posterior do capítulo 9.
2) ENTENDENDO ROMANOS 9:
2.1) Tema geral:
O tema geral da carta aos Romanos é a
justiça divina no relacionamento entre Deus e o homem e a justificação pela fé.
Paulo sustenta que Deus é justo ao condenar os pecados humanos, porém, Ele
(Deus) deseja que todos os homens exerçam fé Nele e sejam justificados, a final,
sustenta Paulo, o “justo viverá da fé” (Rm 1:17).
Paulo então, no capítulo 1 e versículo 16,
estabelece dois princípios norteadores para o entendimento do capítulo 9, quais
sejam: a vontade soteriológica universal de Deus e o princípio da
condicionalidade. Vejamos:
“Porque
não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de
todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego”. (grifo nosso).
O apóstolo Paulo estabelece o seguinte raciocínio teológico:
a) A salvação é para todo aquele que crê, logo, está condicionada a fé;
b) Por outro lado, quem pode crer? O judeu e o gentio, ou seja, a salvação está disponível a todos os homens, sem distinção.
No versículo 17 Paulo conclui: “Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está
escrito: Mas o justo viverá pela fé”.
Logo, a fé é a condição para salvação,
sendo esta disponível para todos os homens.
Paulo
fecha a questão quando diz no capítulo 10 e versículo 9:
“A saber: Se com a tua boca confessares
ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os
mortos, serás salvo”. (grifo nosso).
Desta
forma, esta claro que, para Paulo, a salvação estava disponível a todos os
homens, mas, para recebê-la é preciso crer.
Assim
sendo, partindo da premissa da condicionalidade da salvação e da sua
disponibilidade para todos os homens, o arminianismo interpreta o capítulo 9 da
carta aos Romanos a luz de uma eleição condicional e de uma graça resistível.
É
impossível fazer uma leitura determinista de Romanos 9 a luz dos princípios da
condicionalidade da salvação e da sua disponibilidade para todos os homens,
princípios estes que o apóstolo Paulo estabelece em toda a sua carta.
2.2) Do contexto anterior: capítulo 8
Como
já dito alhures, o capítulo 9 da carta aos romanos não pode ser lido de forma
isolada, é preciso que o intérprete considere o livro como um todo e, por
conseguinte, considere o contexto do capítulo anterior, a saber, o contexto do
capítulo 8.
Quando analisado com cuidado o capítulo 8 de Romanos, é
possível excluir qualquer interpretação fatalista/determinativa do capítulo 9.
Em Rm 8:28-30 está escrito:
E
sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam
a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porque os que
dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu
Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que
predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou;
e aos que justificou a estes também glorificou.
Como se pode notar, o termo “dantes conheceu” vem antes do
termo “predestinou”, indicando que a predestinação dos salvos foi realizada com
base no pré-conhecimento divino daqueles que amariam a Cristo e perseverariam
na fé, assim dizemos que a eleição é realizada pela presciência de Deus.
Em
outras palavras, o que Paulo está ensinando no capítulo 8 é que Deus jamais
elegeu alguém incondicionalmente, mas, sim, através da previsão de fé, tornando
a eleição condicional. Desta forma, os eleitos são aqueles que Deus previu que
o amariam e perseverariam na fé até o fim das suas vidas.
A expressão “dantes conheceu” decorre da palavra grega
“proginosko” e significa prever, pré-conhecer, conhecer de antemão. Assim
sendo, considerando que a expressão “dantes conheceu” vem antes e serve de
fundamento para a expressão “predestinou”, só há uma interpretação do texto,
qual seja: Deus elegeu para salvação aqueles que ele previu que perseverariam
na fé e, com base nesta eleição, Deus então predestinou o futuro destas pessoas
quanto a suas participações no reino Dele.
No versículo 28, do capítulo 8, diz que “sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles
que amam a Deus [...]”. Essa expressão faz conexão com o texto de
1Co 8:3, pois, em Rm 8:28, Paulo diz que todas as coisas contribuem para
aqueles que “amam a Deus” e no versículo seguinte (29) Paulo diz que
Deus conheceu de antemão aqueles que amaram a Deus, e corroborando essa ideia,
o próprio apóstolo dos gentios diz coisa semelhante em 1Co 8:3, vejamos: “Mas,
se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele”.
Ou
seja, para Paulo, são eleitos aqueles que Deus pré-conheceu e, por sua vez,
Deus pré-conheceu aqueles que o amariam até o último dia de suas vidas. Desta
forma, a eleição só pode ser condicionada a fé e ao arrependimento
perseverante.
Jack
Cottrell apresenta uma paráfrase de Rm 8:28-30 que resume com fidelidade o que
o apóstolo Paulo que dizer no texto em comento, vejamos:
Sabemos
que Deus opera todas as coisas para o bem daqueles que o amam e são chamados
para sua família eterna de acordo com o seu propósito. Como sabemos disto?
Porque, tendo pré-conhecido desde a eternidade que eles o amariam, ele já os
predestinou a este estado de glória eterna! Dessa forma, podemos estar certos
de que as provações temporárias desta vida não são capazes de invalidar o que o
Deus todo-poderoso já predestinou que irá ocorrer! Antes, ele as usa de forma a
nos preparar para desfrutar a eternidade ainda mais. (TITILLO apud COTTRELL,
pg.
62, 2015).
Logo,
com base em Rm 8:28-30, temos que considerar que qualquer eleição ou
predestinação salvífica que Paulo esteja abordando em Rm 9 só poderá ser
condicionada a previsão de fé perseverante.
2.3) Do contexto posterior: capítulo 10
Além
do capítulo 8, o capítulo 10 de Romanos também lança luz sobre o capítulo 9.
Quando lemos o décimo capítulo da carta aos romanos, vislumbramos uma eleição
condicional ensinada por Paulo e que deve ser considerada na interpretação do
capítulo 9.
Em diversas partes do capítulo 10 temos declarações de
Paulo sobre a condicionalidade da salvação, senão vejamos:
“Irmãos,
o bom desejo do meu coração e a oração a Deus por Israel é para sua salvação”
Rm 10:1.
Ora,
se realmente Paulo estivesse ensinando uma eleição incondicional e uma graça
irresistível no capítulo 9, tal declaração de Paulo, contida no versículo 1 do
capítulo 10, seria sem sentido. Pois, se Paulo realmente estivesse ensinando
que Deus elegeu incondicionalmente algumas pessoas para a salvação e outras
para a perdição, como ele poderia orar sinceramente para que todo o Israel
fosse salvo, haja vista que sua oração não alteraria o decreto incondicional de
Deus?
Em
outras palavras, se o capítulo 9 estiver ensinando uma eleição incondicional,
este capítulo estará em posição antagônica ao capítulo 10 e, portanto, estará
estabelecido uma contradição. Como pode o apostolo Paulo orar para que todo o
Israel fosse salvo, sendo que anteriormente ele supostamente teria ensinado que
o destino salvífico de cada homem já foi pré-definido incondicionalmente por
Deus?
O que
extraímos desta aparente contradição é que o capítulo 9 não pode estar
ensinando uma eleição incondicional, sob pena de entrar em contradição com o
capítulo 10.
Como
resolver esta aparente contradição? Simples, não há contradição, pois não há o
ensino de uma eleição salvífica incondicional nos versículo de Rm 9. Rm 9 está,
assim como todo o livro de Romanos, ensinando uma eleição condicional e uma
graça resistível. Desta forma, Paulo pode sinceramente orar pela salvação de
todo o Israel, haja vista que a graça está disponível a todos os homens e a
salvação é condicionada a fé e ao arrependimento perseverante.
“Porque
o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê” Rm 10:4.
Conforme
se extraí de Rm 10:4, a justificação é para aquele que crê, ou seja, a salvação
está condicionada a fé. Desta forma, quem crer e persevera até o fim na fé será
salvo e, assim, eleito.
“A
saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração
creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o
coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.
Porque a
Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido” Rm 10:9-11 (grifo
nosso).
Ora, o
versículo 9 do capítulo 10 de Romanos elimina qualquer possibilidade de
interpretação determinista ou incondicional do capítulo 9, pois o texto diz
claramente que a salvação está condicionada a fé em Cristo.
O
texto de Rm 10:9 começa estabelecendo uma condição para ser salvo através da conjunção
subordinativa condicional “se”, ou seja, para ser salvo é preciso
confessar Jesus como Senhor de sua vida. Note que o “se” estabelece a condição
e, satisfeito esta condição, o indivíduo será salvo. Em outras palavras, o
indivíduo não é salvo para crer, ele primeiro tem que crer para depois ser
salvo. Esta é a doutrina da eleição condicional.
“Porquanto
não há diferença entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de todos, rico
para com todos os que o invocam”. Rm 10:12
Aqui
Paulo ensina que a salvação está disponível a todos, quer judeus, quer gentios.
Deus esta disposto a salvar a todos aqueles que o invocarem através da fé e do
arrependimento possibilitados pela graça preveniente.
“Como,
pois, invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não
ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão,
se não forem enviados? como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam
o evangelho de paz; dos que trazem alegres novas de boas coisas. Mas nem todos têm
obedecido ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem creu na nossa pregação?
De sorte
que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” Rm 10:14-17.
Nesta
altura do capítulo 10, o apóstolo Paulo estabelece a fé como condição para a
salvação da seguinte forma: Para ser salvo é preciso crer; para crer é preciso
ouvir a Palavra de Deus; para ouvir a Palavra de Deus é preciso que alguém
pregue, pois a fé vem pelo ouvir a Palavra de Deus. É impossível compatibilizar
de forma coerente a lógica deste texto com a doutrina calvinista da eleição
incondicional, pois, na visão calvinista, o individuo primeiramente é salvo
para depois crer, porém, Paulo ensina, nos versículos 14 ao 17, que é preciso
crer para ser salvo, sendo a salvação condicional.
“Mas
para Israel diz: Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e
contradizente” Rm 10:21.
O
último versículo do capítulo 10 termina com uma declaração a favor da doutrina
da graça resistível, pois Paulo apresenta Deus estendendo suas mãos salvadoras
para Israel reiteradamente, porém Israel insiste em resistir as intenções
salvíficas de Deus.
Logo,
o capítulo 10 de Romanos ensina peremptoriamente a doutrina da eleição
condicional e da graça resistível, lançando luz no capítulo 9 e impondo uma
interpretação condicional neste capítulo.
3) CONCLUSÃO
Tudo já escrito até aqui deve servir de pressuposto para uma boa hermenêutica do capítulo 9 de Romanos.
Logo, Romanos 9 deve ser interpretado a luz da eleição condicional e da presciência divina, elementos doutrinários intrínsecos ao livro de Romanos.
Pb. Diego Natanael
Leia a primeira parte:
https://www.teologiacetap.com/2022/11/romanos-9-na-perspectiva-arminiana.html
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