A PÓS-MODERNIDADE E SUA RELAÇÃO COM OS FENÔMENOS DA SOCIEDADE DE CONSUMO, SOCIEDADE LÍQUIDA, SOCIEDADE DO CANSAÇO, SOCIEDADE HIPERCONECTADA E A IGREJA CRISTÃ

 


RESENHA CRÍTICA

Por Diego Natanael

 "FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS"

“Ciências Humanas e Sociais” de Esp. Pablo Araya Santander (Maringá, 2022, p. 175 a 202)

 

Vivemos em uma sociedade que, abandonando o racionalismo do século XIX, vive em um mundo que valoriza o empirismo e hedonismo social e individual. Esta nova sociedade está baseada, conforme sustentam muitos teóricos, incluindo Zygmunt Bauman (Modernidade Líquida, Editora Zahar, 2001), nos valores da pós-modernidade que trouxe grandes mudanças sociais no mundo contemporâneo. Assim sendo, a pós-modernidade, com seus valores, fez surgir grandes desafios para a sociedade e, neste contexto, para a igreja cristã, pois, nesta sociedade pós-moderna, surgem fenômenos sociais que desafiam a igreja cristã em todos os seus aspectos, quer teológico, social ou político. Entre os desafios, podemos destacar a influência dos fenômenos da Sociedade de Consumo e suas implicações na perspectiva e prática eclesial; do fenômeno da Sociedade Líquida e os desafios encontrados dentro do contexto da relação entre as doutrinas cristãs imutáveis e o niilismo eclesiástico moderno; do conceito de Sociedade do Cansaço e o papel da igreja cristã diante deste fenômeno que tem trazido desgaste emocional para as pessoas; e, também, do fenômeno da Sociedade Hiperconectada e as nova demandas que surgem na igreja cristã  em decorrência dessa hiperconexão.

Os fenômenos supracitados, que decorrem desse desenvolvimento do pós-modernismo, criam, segundo Esp. Pablo Araya Santander (Maringá, 2022, p. 175 a 202), novas formas de organização da sociedade e, por conseguinte, novos dilemas. Para o autor do livro objeto desta resenha, tais formas de organização da sociedade trazem dilemas que precisam ser refletidos a fim de buscarmos soluções que pacifique a sociedade e produza o desenvolvimento social e individual do homem pós-moderno. Neste contexto, a igreja cristã deve estar comprometida com o entendimento dos fenômenos sociais que moldam as formas de organização da sociedade a fim de aperfeiçoar seu papel social/espiritual e suprir as demandas do homem pós-moderno.

Assim sendo, para Pablo Araya, é preciso entender os fenômenos da Sociedade de Consumo, Sociedade Líquida, Sociedade do Cansaço e Sociedade Hiperconectada a fim de compreender as novas formas de organização da sociedade e estar preparado para os desafios delas decorrentes. Somente assim, a sociedade contemporânea estará preparada para os desafios atuais da pós-modernidade e para aqueles que surgem na medida em que a sociedade evolui.

A PÓS-MODERNIDADE E SUA RELAÇÃO COM OS FENÔMENOS DA SOCIEDADE DE CONSUMO, SOCIEDADE LÍQUIDA, SOCIEDADE DO CANSAÇO E SOCIEDADE HIPERCONECTADA E A IGREJA CRISTÃ

A gênesis da pós-modernidade remonta ao fim do século XIX. Até o fim do século XIX, a sociedade vivia sob uma cosmovisão inclinada para o racionalismo e nacionalismo, porém, com a simbólica queda do muro de Berlim, houve uma ruptura na cosmovisão moderna de então e, por conseguinte, ocorreu uma revolução nas esferas científicas, artísticas, culturais, religiosas e sociais. Diante desta revolução sócio/cultural, surge o mundo pós-moderno que abandona o racionalismo rígido da modernidade e abraça ao empirismo como meio de se alcançar a verdade, o hedonismo como meio de provar e experimentar uma suposta verdade subjetiva e o globalismo como meio de se evitar novos conflitos.

O termo pós-modernismo é motivo de grandes discordâncias entre filósofos, antropólogos, sociólogos e teólogos, mas, é consenso que houve uma mudança clara de cosmovisão se comparado a sociedade de até a década de 1950 e a sociedade atual. Desta forma, os valores pós-modernos moldaram os homens contemporâneos e têm trazido grandes dificuldades para o cristianismo atual.

O pós-modernismo estabeleceu a experiência subjetiva como meio de alcançar a verdade e, por conseguinte, transformou o hedonismo (culto ao prazer) como o meio de experimentar a verdade subjetiva. Desta forma, a busca pelo prazer subjetivo é, em última análise, a busca pela própria verdade que se relativiza para cada pessoa.

Neste contexto, o pós-modernismo mudou a mentalidade do homem contemporâneo, transformando as relações humanas e as formas de organização da sociedade. Tais transformações decorrem exatamente dos fenômenos da Sociedade de Consumo, Sociedade Líquida, Sociedade do Cansaço, Sociedade Hiperconectada, dentre outros.

Conforme dito alhures, as relações humanas da sociedade contemporânea estão baseadas em um pensamento consumerista que, utilizando uma linguagem jurídica, podemos chamar de relação sinalagmática, onde todas as relações humanas estabelecidas são condicionadas ao estabelecimentos de obrigações consumeristas que se destinam a satisfazer um desejo hedonista desenfreado e individualista, daí o conceito de Sociedade de Consumo. Outrossim, e as relações humanas estão cada vez mais instáveis e banalizadas, o conceito de permanente estão sendo substituído pelo conceito de transitório e mutável, os homens estabelecem relacionamentos sem a intenção ou preocupação de permanência, mas se condicionados ao prazer, surgindo, assim, através da reflexão de Zygmunt Bauman (Modernidade Líquida, Editora Zahar, 2001), o conceito de Sociedade Líquida.

A exacerbada competitividade estabelecida na sociedade contemporânea tem produzido o que se chama de Sociedade do cansaço e a ausência de relações interpessoais e o uso abusivo da tecnologia tem criado uma sociedade hiperconectada.

Todos estes fenômenos decorrem de valores do pós-modernismo que relativizou a verdade e erigiu o empirismo ao topo dos princípios sociais.

SOCIEDADE DE CONSUMO E OS DESAFIOS A IGREJA CRISTÃ

A igreja cristã contemporânea sofre grandes influências dos fenômenos decorrentes da pós-modernidade, haja vista que a relação entre a igreja e seus membros têm sido, inadvertidamente, moldadas por esta visão consumerista da Sociedade de Consumo, transformando a fé em um produto e os fiés em consumidores.

Pablo Araya Santander, no livro objeto desta resenha, “Ciências Humanas e Sociais”, resume o principal problema da Sociedade de Consumo:

Nota-se que existem algumas características do consumo em nossa sociedade que são bem peculiares do nosso tempo. Muitas vezes, tornam-se tão impregnadas na cultura que se tornam valores – a ideia de que o ato de consumir traz felicidade é uma delas. A publicidade das empresas veiculadas nos meios de comunicação tem se encarregado de estabelecer uma correlação simplista e fácil entre consumo e felicidade. Além disso, estimula-se a ideia de que a felicidade advinda do consumo gera realização e satisfação pessoal, como se a atitude de comprar fosse capaz de preencher os vazios existenciais. (Santander, p. 180 a 181)

Mais adiante, em seu livro, o autor questiona se realmente o consumo nos conduz a verdadeira felicidade. Pautado neste questionamento, a igreja cristã contemporânea precisa quebrar esse paradigma da Sociedade de Consumo a fim de que o homem possa de fato descobrir a felicidade em Deus e não em produtos ou serviços. Esta relação sinalagmática estabelecida em muitas igrejas cristãs não privilegia a Bíblia ou a tradição cristã, antes só reverbera a influência da Sociedade de Consumo pós-moderna.

Sendo assim, a Sociedade de Consumo criou um desafio, qual seja: Como alcançar a felicidade se os produtos e/ou serviços não me fazem verdadeiramente feliz? A este desafio a igreja cristã possui a resposta a mais de dois mil anos, qual seja: “Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6:33)

SOCIEDADE LÍQUIDA E OS DESAFIOS A IGREJA CRISTÃ

O conceito de Sociedade Líquida, estabelecido por Zygmunt Bauman, deve ser compreendido como sendo uma ruptura com as instituições e estruturas estabelecidas (Santander, p. 187). Em outras palavras, na sociedade contemporânea, as relações humanas já não são mais estabelecidas para serem permanentes, mas, sim, para satisfazer sentimentos hedonistas e materialistas que são mutáveis.

Esta instabilidade nas relações humanas, produzidas pela Sociedade Líquida, afetam as relações eclesiásticas entre Igreja e membro, fazendo surgir, por exemplo, o fenômeno dos “desigrejados”, também chamados de cristãos nominais.

Citando, Idauro Campos, no seu livro “Desigrejados: Teoria, história e contradições do niilismo eclesiástico”, temos que:

A pós-modernidade parece sugerir um indivíduo absolutamente autônomo, privado, confinado em um mundo próprio e incapaz de adequar-se a qualquer padrão além do seu. Isso tem gerado uma crise de pertencimento na sociedade hodierna. Com tais bandeiras, a tensão com o cristianismo torna-se inevitável, porquanto no cristianismo há a ênfase na verdade dogmática (epistemologia cristã), na exclusividade soteriológica (solo Christos) e na igreja como a assembleia que agremia todos os que são alcançados pela verdade cristã (igreja é a expressão da koinonia). Portanto, esses valores históricos do cristianismo sofrem resistências da pós-modernidade que termina influenciando muito do pensamento dos desigrejados, pois se tudo é relativo, a eclesiologia pode ser diversa e difusa. (pg. 177, 2017)

Desta forma, a igreja precisa apresentar fundamento sólido para uma sociedade cada vez mais líquida.

SOCIEDADE DO CANSAÇO E OS DESAFIOS A IGREJA CRISTÃ

A Sociedade do Cansaço está relacionada a uma sociedade performática ou de uma sociedade do rendimento, onde o indivíduo recebe uma exacerbada exigência de performance e sucesso profissional, dentre outras relações, causando diversos problemas psicossomáticos que, segundo o autor da obra objeto desta síntese, é o problema do século XXI (Santander, p. 195).

A Sociedade do Cansaço produz homens e mulheres doentes psicologicamente dizendo, pois, em um mundo selvagemente competitivo, o peso social é muito grande para o homem pós-moderno carregar. Tais pessoas buscam, em muitos casos, a igreja cristã a fim de que possam encontrar alívio para tais problemas e a igreja precisa aprender a lidar com estas demandas.

Para tais pessoas, a igreja possui uma aliviante resposta:

Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.
Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve
” (Mt 11:28-30).

SOCIEDADE HIPERCONECTADA E OS DESAFIOS A IGREJA CRISTÃ

A sociedade contemporânea é marcada pela conexão instantânea entre as pessoas, entre as empresas e seus consumidores, entre o estado e seus cidadãos. Tal conexão é possibilitada pelo avanço tecnológico e, incluindo nele, a internet.

Com o avanço da tecnologia e do atualmente chamado “metaverso”, o fenômeno da Sociedade Hiperconectada tem sido explicitado. Porém, a hiperconexão está afetando as relações interpessoais e, por conseguinte, afetando a relação entre a igreja e os fiés, haja vista que a frequência presencial dos membros nos eventos religiosos está diminuindo e, também, em decorrência desta hiperconexão, as relações intimas estão sendo substituídas por uma relação superficial e paradoxalmente desconexa.

Sendo assim, apesar dos benefícios desta conexão tecnológica que tem mudado as relações humanas, o desafio de manter esta conexão virtual sem, contudo, romper a conexão física/interpessoal entre as pessoas permanece e a igreja deve fazer parte deste esforço de manter esta conexão física e interpessoal entre os homens e entre os homens e Deus.

Logo, os fenômenos da Sociedade de Consumo, Sociedade Líquida, Sociedade do Cansaço, Sociedade Hiperconectada, compreendidos como fenômenos da pós-modernidade tem produzido uma mudança nas formas de organização da sociedade e, com isso, produzido desafios para a igreja cristã contemporânea. Sendo assim, a igreja cristã precisa compreender tais fenômenos a fim de ultrapassar seus desafios e promover o desenvolvimento saudável da sociedade que está cada vez mais doente.

Pb. Diego Natanael

REFERÊNCIAS

BAUMAM, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.

BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Pentecostal. Almeida Revista e Corrigida. Rio de Janeiro: CPAD, 1995.

CAMPOS, Idauro. Desigrejados: Teoria, história e contradições do niilismo eclesiástico”. Rio de Janeiro: bvbooks, 2017.

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. SANTANDER, Esp. Pablo Araya. Ciências Humanas e Sociais. Maringá, 2022

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