A GRAÇA DE DEUS É IRRESISTÍVEL?


Antes de mais nada, é preciso entender que o processo subjetivo de salvação do pecador começa com a ação primária da Graça Salvadora que se instrumentaliza na ação do Espírito Santo convencendo o homem do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16:8). É a Graça de Deus que promove a manutenção da salvação do homem, sem ela não há vida espiritual. Diante desta verdade, a pergunta que passamos a fazer é: será que esta Graça é irresistível? é possível resistir esta graça salvadora? 

Como sabemos, Deus ama a todos os homens e, por causa deste amor ilimitado, enviou Jesus a fim de obter salvação para todos os homens, desde que cressem e perseverassem na fé (Jo 3:16; 1Jo 2:2; 1Tm 4:10; Tt 2:11). Contudo, é preciso entender que Deus não verga a vontade de ninguém a fim de salvá-lo, a oferta de salvação, por parte do Espírito Santo, não é uma força irresistível.  A graça, portanto, é resistível. 

A doutrina da graça resistível estabelece o entendimento bíblico de que a ação do Espírito Santo na vida do pecador é resistível, ou seja, ao homem é dado à liberdade de resistir/recusar ou não a oferta de salvação e, em virtude dessa graça resistível, poder, inclusive, decair da graça. O pecador possui a liberdade de receber a salvação ofertada ou rejeita-la e, por conseguinte, viver uma vida de pecado. É possível, ainda, que uma pessoa alcançada pela graça salvadora e salva por ela, rejeite esta graça e desvie da fé. 

A ação do Espírito Santo, na vida do pecador, é convencedora e não impositiva. Em João 16.8 está descrito aquilo que viria a ser o ápice do ministério do Espírito Santo, qual seja: convencer os pecadores que eles precisam se arrepender de seus pecados e crer em Jesus.  O papel de convencer descrito em João 16.8 é usado no mesmo sentido do oficio de um advogado que apresenta argumentos de convencimento ao juiz. No evangelho de João, Jesus chama o Espírito Santo de "Consolador" cuja palavra correspondente no grego é “Parakletos”, esta palavra grega pode ser traduzida como Consolador ou Advogado. Neste sentido, o Espírito Santo é o nosso advogado e, como tal, ele atua no coração do pecador com o intuito de apresenta-lo os argumentos do pecado, da justiça e do juízo e, assim, convencê-lo da necessidade de se arrepender de seus pecados. Este ato de convencer não é irresistível, pois senão não seria convencimento e sim imposição, antes é um ato de persuadir o pecador a aceitar a ideia de arrependimento. Neste compasso, o pecador mesmo convencido da necessidade de arrependimento, pode resistir à graça de Deus e rejeitar a oferta de salvação. 

Jacob Armínio descreve de forma brilhante a doutrina da graça resistível, vejamos: 

Porque a graça é branda e se mescla com a natureza do homem, para não destruir dentro dele a liberdade da sua vontade, mas para lhe dar uma direção correta, para corrigir a sua depravação, e para permitir que o homem possua as suas próprias noções adequadas. Enquanto, pelo contrário, essa predestinação introduz uma espécie de graça que tira o livre-arbítrio e impede o seu exercício. Porque as representações da graça que as Escrituras contêm são descritas como podendo ser resistidas (At 7.51) e recebidas em vão (2 Co 6.1); assim, é possível para o homem evitar ceder o seu assentimento à graça, e recusar toda a cooperação com ela (Hb 13.15; Mt 23.37; Lc 7.30)”. (AS OBRAS DE ARMÍNIO, VOL.1). 

Neste compasso, existem diversos textos bíblicos que comprovam a natureza resistível da graça, tais como: Atos 13.44-48; Mt. 19.16-22; Mt. 23.37; Mt. 13.58; Atos 7.51; Hb. 3.6-8; 1Tm 5.8; 2Tm 3.8; Is. 50.2; Is. 65.2; Rm 10.21;  Mt 22.2-5 e 8-13; Hb. 12.25; Ap 16.11; Jo 1.11-12; Ez 24.13.

Em Mt 23.37 consta um dos textos a favor da doutrina da graça resistível, vejamos: 

Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!

No texto supracitado de Mateus, lemos que Jesus desejou salvar os judeus, contudo eles rejeitaram a Cristo. Neste texto, visualiza-se que a vontade de Cristo foi resistida pelos judeus, essa mesma verdade pode ser vista em Atos 13.46 quando o apóstolo Paulo e Barnabé censuraram os judeus dizendo que eles, tendo a primazia de ouvir o evangelho de Cristo, decidiram rejeitar a Cristo e a oferta de salvação. Desta forma, a graça se apresenta de forma resistível.

Outro Texto interessante é o de Atos 7.51, in verbis

Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e ouvido, vós sempre resistis ao Espírito Santo; Assim, vós sois como vossos pais”.

Neste texto, Estevão expressamente diz que os judeus resistiram ao Espírito Santo. O primeiro mártir disse estas palavras no contexto de uma pregação evangelística, ou seja, ele pregava a fim de que seus ouvintes se arrependessem e cressem em Jesus, porém os judeus preferiram resistir ao chamado do Espírito Santo.

Em Mateus 22 lemos a parábola das bodas, onde Jesus conta de um rei que celebrou as bodas de seu filho. A fim de realizar as bodas, o rei enviou servos para convidar as pessoas para a festa, contudo estas pessoas rejeitaram ao convite. Diante da rejeição, o rei decidiu trazer como seus convidados aquelas pessoas que ninguém convidaria para uma festa.  Esta parábola se refere ao chamado geral de Deus para a salvação, contudo muitos rejeitaram a este chamado e não participaram das bodas do Cordeiro. 

Muitos outros textos podem ser utilizados para provar a biblicidade da graça resistível, tais como a história do jovem rico que resistiu ao convite de Jesus porque tinha muitos bens (Mt 19:16-30); a história do filho pródigo que resistiu a vontade de seu pai e, por isso, decaiu da graça (Lc 15:11-32); a história do rei Saul e muitas outras. 

Vale apena destacar, ainda, o texto de Hebreus 6:4-6, vejamos:

"Porque é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o pão do céu, e se fizeram participantes do Espírito Santo, E provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, E recaíram, sejam outra vez renovados para arrependimento; pois assim, quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõem ao vitupério".

No texto de Hebreus 6:4-6 lemos claramente que é possível que o salvo decaia da graça, ou seja, é possível que o salvo rejeite a graça salvadora e desvie dela definitivamente. 

Passemos a analisar o texto de Hebreus 6:

No versículo 4 lemos que aqueles que "foram iluminados" negaram/rejeitaram a fé. A palavra "iluminados" decorre da palavra grega "photistenthas" e tem  sentido de pessoas que saíram das trevas e foram para a luz (2 Co 6:14), pessoas que tiveram um esclarecimento espiritual ou, ainda, de acordo com o contexto, os iluminados são aqueles pecadores que estavam mortos em seus pecados e delitos e que receberam o evangelho de Cristo (2 Co 4:4), foram convertidos, regenerados, justificados e santificados pela graça salvadora. Estes "iluminados" são, portanto, pessoas alcançadas pela graça e, por conseguinte, salvas (Hb 10:32) e que resistiram deliberadamente a graça salvadora. 

Ainda no versículo 4 de Hebreus 6, lemos que os iluminados "provaram o pão do céu" ou "dom celestial". Esta expressão faz referência direta a Cristo (vide Jo 6:51; Hb 3:14), ou seja, os iluminados são aqueles que estão em comunhão com Cristo e receberam seu sacrifício salvífico. Lemos, também, que estes iluminados são participantes do Espírito Santo, ou seja, estes receberam o Espírito Santo em suas vidas (Jo 14:17). 

Contudo, nos versículos 5 e 6 o escritor de Hebreus nos dá uma notícia aterrorizante, qual seja, que mesmo os iluminados pela palavra de Deus, que possuem comunhão com Cristo, que se fizeram participantes do Espírito Santo e que, portanto, foram salvos, estes podem resistir a graça salvadora e abandonar a fé, perdendo, assim, sua salvação. 

É por isso que lemos em Ap 3:11 a advertência divina para que guardemos a nossa fé para que ninguém tome a nossa coroa. Semelhantemente, lemos em 1 Co 7:12 que aquele que está de pé cuide para que não caia. Assim sendo, as advertências divina existem para nos conscientizar que é possível resistir a graça e, por conseguinte, perder a salvação. Por isso, devemos vigiar!  

Roger E. Olson, dissertando sobre a teologia do teólogo arminiano Watson, disse: 

Watson observou que a graça preveniente é irresistível em sua primeira vinda; é dada por Deus por intermédio do Espírito independentemente da busca ou desejo humano. No entanto, uma vez que ela vem, pode ser resistida e deve ser ‘trabalhada’, o que não quer dizer acrescentar, mas cooperar com a não resistência”. (Olson, Teologia Arminiana: mitos e realidades, pg. 222).

O que Olson e Watson quiseram dizer é que a primeira ação da graça é irresistível, pois o homem não possui capacidade de controlar o ano, mês, dia e hora que o Espírito Santo irá lhe fazer o convite de salvação. Quando Deus decide apresentar a graça a alguém, Ele assim faz independente da vontade humana, contudo após a primeira ação da graça, Deus condiciona a salvação do homem a sua não resistência a graça. Desta forma, quando o homem tem o primeiro contato com a graça, ele possui duas escolhas: rejeitar a graça ou ser regenerada por ela. 

Muitos Calvinistas tentam provar a doutrina da graça irresistível através do texto de João 6.44 que diz: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o atrair; e eu o ressuscitarei no ultimo dia”. Os calvinistas interpretam a palavra "atrair" como sendo uma força irresistível, ou seja, o homem é irresistivelmente atraído por Deus. A palavra grega para atrair é “helkuo” que possui vários sentidos, dentre os quais: atrair no sentido de uma força poderosa de atração ou simplesmente chamar a atenção de alguém ou de algo para outrem. 

A palavra “atrair” no texto de João 6.44 não pode ser interpretada como uma força irresistível quando comparamos com o texto de João 12.32, onde esta palavra se repete, vejamos: “Mas eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim”. Tanto em João 6.44, quanto em João 12.32, lemos a palavra atrair (helkuo). Comparando os dois textos, a conclusão que se chega é que a palavra "atrair" não se refere a uma força irresistível, pois senão o texto de João 12.32 estaria ensinando uma salvação universal ("atrairei todos a mim"). Nos dois textos a palavra “atrair” se refere tão somente a uma ação de chamar a atenção de todos os homens para a obra expiatória de Cristo, esta ação é resistível. Portanto, o argumento calvinista da graça irresistível é insustentável diante da comparação dos textos de João 6.44 e João 12.32. 

CONCLUSÃO:

Portanto, diante dos textos bíblicos supra analisados, conclui-se que a Graça Salvadora é resistível, ou seja, o homem possui capacidade de resistir a graça. Não obstante, a resistibilidade da graça não mitiga a soberania de Deus, antes à exalta. Pois, foi Deus, pela sua vontade soberana, que decidiu condicional a salvação do homem a manifestação livre do pecador no sentido de se submeter a graça ou resisti-la. Crendo, o homem se submete a ação da Graça, mas, não crendo, este homem está resistindo a graça salvadora (Mc 16:16). 

Por fim, vale apena citar as palavras dos Remonstrantes que sintetizaram, através do documento entregue ao sínodo de Dort, a visão arminiana da graça resistível, in verbis:  

A graça eficaz, pela qual qualquer homem é convertido, não é irresistível: e embora Deus assim afete a vontade do homem por sua palavra e pela operação interna do seu Espírito, para conferir-lhe uma capacidade de crer, ou poder sobrenatural que realmente faz o homem acreditar, o homem de si mesmo ainda é capaz de desprezar e rejeitar esta graça e não crer, e, portanto, também perecer por sua própria culpa”.


Pb. Diego Natanael

Comentários

Postar um comentário

POSTAGENS MAIS VISITADAS

JOEL 2:28: A PROMESSA DO DERRAMAMENTO DO ESPÍRITO SANTO APONTA PARA A EXPIAÇÃO ILIMITADA!

BIBLIOMANCIA: UMA PRÁTICA ANTIBÍBLICA